segunda-feira, 18 de julho de 2016

Oficina Criativa Jovem Negro Vivo: A comunicação alternativa é a nossa arma

Oficina de Audiovisual - Mídia Periférica

Neste final de semana o Mídia Periférica realizou a Oficina de Comunicação Comunitária (Audiovisual) durante a “Oficina Criativa Jovem Negro Vivo”, uma realização da Anistia Internacional Brasil com o apoio do Instituto Oyá, Conjunto Pirajá I – Salvador/BA onde o evento aconteceu.
A Oficina Criativa teve como objetivo valorizar a potência da juventude negra e da periferia, potencializando experiências de empoderamento e visibilidade. Além de refletir sobre a violência que atinge o jovem negro. O evento reuniu mais de 40 jovens de coletivos culturais e sociais da capital e região metropolitana. Além da oficina de audiovisual outras ocorreram paralelamente ao longo dos dois dias: Estética Negra, Serigrafia/Estampa, Texto/Poesia, Dança e Capoeira.

No sábado (16) Enderson Araújo e Bruna Calazans apresentaram a proposta da Oficina de Audiovisual e deram início às atividades com a exibição de vídeos sobre a Campanha Jovem Negro Vivo, apresentação de dados do Mapa da Violência de 2014 e reflexão sobre a responsabilidade da mídia hegemônica nesse contexto de violência contra a juventude negra, através do sensacionalismo e reprodução dos estereótipos e estigmas. Tivemos a contribuição de Rebeca Lerer na discussão sobre a política de drogas, criminalização, legalização e controle, ela que é jornalista, ativista, coordenadora de campanhas da Anistia e especialista na área de política sobre drogas.
No final da tarde foi proposta a criação de um brainstorming (chuva de ideias) para que os jovens pensassem como a comunicação alternativa pode construir narrativas de enfrentamento a essa violência que nos atinge diariamente, utilizando ferramentas ao nosso alcance (notebook e celular).

No segundo dia (17) retomamos as atividades iniciando a parte prática da oficina. A ideia do grupo foi construir um programa de TV – “Periferia em Rede – Black TV”, como produto final. Os participantes se organizaram no processo criativo dividindo as tarefas de planejamento, produção e pós-produção, com técnicas de comunicação e improvisos para criação de roteiro, execução e edição dos vídeos. O programa teve como ponto de partida o debate sobre a política de drogas, a notícia da queda de um avião representando a quantidade de jovens mortos a cada dois dias no Brasil e a cobertura da “Oficina Criativa Jovem Negro Vivo”. Com o objetivo de causar um choque na sociedade, alertar para altos índices de violência contra nós jovens negros, sensibilizar e mostrar por outro lado que estamos resistindo e lutando pra recriar narrativas e fortalecer o protagonismo juvenil. E um desses caminhos é através da construção de uma comunicação inclusiva, plural e transformadora. O resultado foi incrível.

Salvador é a terceira capital a receber a oficina criativa que faz parte da Campanha Jovem Negro Vivo, realizada antes no Rio de Janeiro e Brasília. Uma iniciativa muito importante para refletirmos que a violência tem cor, idade, sexo e território. Nós, juventude negra, estamos morrendo todos os dias. No Brasil são 30 mil jovens são mortos por ano, desses 93% são homens e 77% negros, 82 jovens por dia e 7 a cada duas horas (Dados do Mapa da Violência de 2014).  E quem se importa?A indiferença é grande. 
A mídia também contribui com esse cenário, reproduzindo a violência. Nós negros somos suspeitos em potencial, somos alvos de homens fardados que nos taxam como perigosos e se valem dos autos de resistência para legitimar nossas mortes, que são banalizadas e naturalizadas. A violência na periferia é institucionalizada! Por isso precisamos ocupar espaços como esse para pensarmos formas de denúncia, disseminação de nossas vozes, resistência e luta pela juventude negra viva.
 Nós por Nós! #JovemNegroVivo



Webjornal "Periferia em Rede - Black TV":

Âncoras: Adriele do Carmo e Brendo Araújo
Reportagem: Laiane Almeida, Mariana Reis e Michele Menezes
Colaboração: Nelson Mendes
Edição: Franciele Viana 
Direção: Bruna Calazans e Enderson Araújo












terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Mídia Periférica na Argentina: atravessando fronteiras


A passagem do Mídia Periférica pela Argentina refletiu em experiências ricas, possibilitadas através da aproximação com ações e atores sociais que compactuam com o nosso sentimento de luta, resistência e busca por transformações sociais.
Conhecer Buenos Aires foi lindo, mas eu precisava sair daquela rota turística e conhecer a realidade sem maquiagem, o outro lado, a periferia e os trabalhos de comunicação/cultura que têm sido realizados com jovens que estão à margem.
Estabelecemos contato com o Santiago Barassi,  pertence à Juventude Peronista da Província de Buenos Aires/ La Cámpora), que me recepcionou em Buenos Aires de forma muito acolhedora, se dispondo a contar um pouco sobre a sua militância e a cena política do país, que vem trazendo grandes desafios e uma onda de mobilizações, além de viabilizar articulações na periferia. A convite dele fui compartilhar as experiências do Mídia Periférica na "Taller de Comunicación Popular Latinoamericana", organizada pelo Coletivo Cultural Cruz Del Sur, a cargo do companheiro Damiàn Capola, e Juan Carlos Romero criador da Facepopular. O encontro aconteceu em 19 de janeiro, em La Matanza, município de Buenos Aires marcado pelo peronismo(movimento populista).
O que encontrei foi um bairro com diferenças gritantes da capital Buenos Aires; uma periferia marcada por muita vulnerabilidade social, carências, luta e resistência, assim como as nossas, e pessoas dispostas a contribuírem com mudanças sociais. Me senti em casa!
Fui parar num espaço cheio de potencial para a comunicação, cultura e mobilização: Espaço Cultural El Arroyo, no bairro González Catan, que segundo Flavia Barreiro, professora de História e integrante da Cruz del Sur, realiza um trabalho sociocultural com foco na prevenção primária e de problemáticas (como violência e questões de gênero) que envolvem crianças e adolescentes da região.
Arte e cultura são utilizadas como ferramentas de transformação social, elevação da autoestima e estímulo para uma vida melhor. Música, pintura, folclore, horta comunitária, apoio escolar, oficinas e Cine Itinerante são as principais ações desenvolvidas.
A proposta do evento foi dar visibilidade às experiências do campo popular - comunicação, cultura, arte, mobilização e ativismo social - que refletem em mudanças positivas para as periferias latinoamericanas. Estiveram reunidos comunicadores populares, ativistas, militantes e moradores da região.
Além da representação do Mídia Periférica, o ativista colombiano Edison Burbano também foi convidado para esse diálogo ao lado de comunicadores populares locais a exemplo de: Juan Carlos Romero (fundador e administrador da rede social da Pátria Grande: Facepopular; diretor editorial da Página Popular e Argentina Latinoamericana Mensageira de Direitos Humanos e Sociais); Pablo Sercovich (portavoz do "Círculo Plaza de Mayo" e coordenador do Congresso Internacional para a Democracia Digital); Rocio Olguin (referência política da juventide do partido MILES - ARGENTINA) e Silvio Miño (comunicador e experiente na área de meios de base territorial e comunicação alternativa). 
Foto: Santiago Barassi
Na oportunidade, Juan Carlos nos apresentou a Facepopular, uma rede social alternativa que carrega um conceito de ativismo, militância social e politica, não-comercial. O objetivo é favorecer que os latinoamericanos tenham um lugar próprio, com menos diferenças, preconceitos, filtros, fronteiras; e com mais pluralismo.
São mais de 500 meios formando uma grande unidade."Foi um prazer compartilhar as experiências em um âmbito horizontal onde cada um, desde o jornalismo, a arte e tecnologia, pode dar sua contribuição para a construção de uma nova comunicação dos povos" - afirmou o criador da Facepopular em seu perfil. 
As atividades foram finalizadas com apresentações culturais (música e folclore) e com o famoso Choripan (comida típica), num clima acolhedor entre os hermanos.
Foto: Reprodução do Facebook

A Argentina com Macri

Paralelo ao contato com a periferia, a experiência de menos de uma semana na capital argentina foi o suficiente para sentir e acompanhar um pouco do clima de tensão que paira nas ruas com o mandato de Mauricio Macri, após 12 anos de Kirchnerismo. Em menos de dois meses de presidência, Macri cortou subsídios da era Kirchner, os argentinos sofrem com o aumento de 300% nas contas de luz (a partir da próxima semana), 22% no preço da carne, menor poder aquisitivo,  censura e desemprego.
As manifestações são constantes e por toda a cidade, com maior concentração na Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada, e por todos os lugares com possibilidade de manifestações é possível encontrar forte presença da polícia.
"O momento político no meu ponto de vista é ruim. Muita censura por parte do governo de Macri,, desemprego de todos os lados, retrocessos... Presidente que parece ignorante, não sabe conversar. Muito diferente do Kirchnerismo, pensava nas classes baixas e médias" (Pedro Sandoval, militante e morador de La Matanza).
Enquanto no Brasil presenciamos uma discussão que envolve retrocessos, como o pedido de impeachment, lá os argentinos estão mobilizados discutindo a garantia de uma política social e democrática, além da preservação dos direitos conquistados nos últimos anos. A figura da ex-presidente Cristina Kirchner tem muita representatividade, é visível em diversas partes de Buenos Aires frases, em muros e pontos de ônibus, de reconhecimento à evolução política, participação juvenil e luta pelos direitos humanos no período em que ela esteve na presidência. Mas, em uma das conversas entre uma estação e outra de metrô, também pude ouvir opinião favorável a Macri, na justificativa de que o governo anterior se utilizava da pauta sobre pobreza para 'roubar', acrescentando que não haviam oportunidades para os argentinos e que 'esmolas' eram usadas como 'cala-boca'. Esse discurso me fez lembrar claramente daqueles reproduzidos contra o Bolsa Família. Entretanto, observar ambas posições foi fundamental para a reflexão  e compreensão do panorama político atual da Argentina.
Os movimentos sociais e as redes de comunicação alternativa demonstram muita força nesse contexto de luta pelo fortalecimento democrático. La Cámpora é um deles, apresentando uma ideologia que preza pelos direitos humanos, a participação/ protagonismo juvenil e a política como uma ferramenta de transformação social.
Um dos maiores movimentos sociais e com maior capacidade de mobilização da Argentina é liderado por Máximo Kirchner, filho de Néstor e Cristina. Formada por jovens, a organização  tem como principal objetivo a defesa do chamado kirchnerismo. 
O companheiro da JP BA - La Campora, Santiago, expressou o quanto o momento é difícil e que estão organizados na luta por transformações sociais, fortalecimento dos direitos humanos, horizontalização da comunicação e por uma politica democrática. Mencionou também o poder das redes sociais como forte aliada na convocação das manifestações, que inclusive têm também como  pauta o apoio à lei contra monopólio dos meios de comunicação na Argentina, que o governo pretende modificar por decreto. O monopólio Clarín ("Globo argentina") é o principal combatido. 
Esse momento requer reflexão sobre alternativas de comunicação e participação cidadã colocando a democracia como elemento central. Um grande desafio da comunicação. E infelizmente há o medo de um retrocesso político acompanhado de mudanças expressivas, que já são visíveis.
Nessa reviravolta, contrapondo aos anos de predomínio peronista, teme-se a retomada conservadorista, a perda da memória e continuidade dos avanços essenciais para o desenvolvimento do país. Apesar do momento delicado, uma rede de ativistas, militantes e comunicadores vêm se organizando e utilizando a comunicação como uma arma de luta e empoderamento.
Agradeço em nome do Mídia Periférica aos nossos hermanos por esse intercâmbio, pela acolhida cheia de alegria e aconchego, com direito a Zamba (dança), Folclore e Choripan. Mostraram que para além das diferenças no futebol temos muito em comum, a começar pelos processos de comunicação comunitária e popular.
Lutas compartilhadas, relações fortalecidas! 

La Matanza 
Espaço Cultural El Arroyo 
Espaço Cultural El Arroyo
Santiago Barassi (JP BA - La Cámpora); Bruna Calazans (Mídia Periférica) e Damian Capola (Diretor do Espaço Cultural)
González Catan - La Matanza
Bairro de Palermo - Buenos Aires
Plaza de Mayo
Casa Rosada
Bairro de Palermo - Buenos Aires
Manifestações pelas ruas de Buenos Aires
Centro Cultural El AArroyo
Eva Perón - Evita


Texto e fotos: Bruna Calazans

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Sobre “o tipo de gente (leia-se negras e negros) que rouba todos os dias”

“Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças. [...] Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém.[...] E assim acumulamos nossos ódios --o semelhante torna-se o inimigo.” (RUFFATO, 2013). Essas palavras são utilizadas pelo escritor Luiz Ruffato no seu discurso de abertura da Feira do Livro de Frankfurt em 2013. E são com essas mesmas palavras que podemos refletir sobre o mito da democracia racial e sobre mais um caso de racismo. A escolhida da vez foi  a Etiene Martins, jornalista e publicitária, vítima de racismo no último dia 4, no “Supermercado Dia” em Belo Horizonte/MG.
Ao chegar ao supermercado, localizado no centro da capital, Etiene, afirmou que perguntou ao segurança onde era a entrada do estabelecimento. Ela diz que recebeu uma resposta em tom agressivo que deveria colocar a bolsa no guarda-volumes. Ao contestar a entrada de outras pessoas com bolsas dentro do supermercado, Etiene ouviu que: “é esse tipo de gente que rouba aqui todos os dias”.


A jornalista prestou B.O e afirma que pretende levar o caso ao Ministério Público. O supermercado “Dia” lamentou a situação por meio de nota e informou que o segurança não foi desligado das suas funções. A Polícia Civil está investigando o caso.
Etiene concedeu ao Mídia Periférica uma entrevista sobre o ocorrido que ganhou grande repercussão nas redes sociais. Segue na íntegra.

MP: Além da dívida histórica, nós negros nos deparamos constantemente com discursos de ódio e ações que só aumentam a ferida que o racismo representa na sociedade. Qual o seu sentimento diante do ocorrido no supermercado Dia?

Me senti humilhada, mas a revolta sobressaiu de tal forma que eu não aceitei ser humilhada simplesmente pelas características do meu fenótipo.

MP: Você já passou por situações semelhantes?

Não de forma tão direta, mas já aconteceu de segurança de loja me seguir a ponto de me deixar constrangida.

MP: “É esse tipo de gente que rouba aqui todos os dias”. Você foi rotulada com essa característica, o modelo de “gente que rouba”. Diariamente negras e negros são vítimas desse estereótipo e sofrem situações semelhantes de discriminação racial. De que modo você associa a contribuição dos discursos produzidos pela mídia com a disseminação do racismo na sociedade?

Não podemos esquecer que a mídia é o imaginário branco e elitista propagado e publicitado. Infelizmente a mídia reforça essa falsa imagem que negro e ladrão são sinônimos.

MP: Qual a sua percepção sobre o mito da democracia racial e essas questões seculares, mal resolvidas, que refletem no nosso dia-a-dia enquanto negros, já que se confunde tolerância racial com democracia racial.

A ideia da democracia racial é o nosso maior inimigo, pois é esse mito que dissemina a ideia que vivemos em um paraíso miscigenado. Mas que paraíso é esse em que o negro sempre sai na pior?  Eu não chamaria de tolerância, eu vejo como conveniência para continuar explorando nossa mão de obra. Afinal deixamos de ser escravizados para sermos explorados. 

MP: Como foi o desfecho da história após o B.O? E que medidas além você pretende tomar?

Após o B.O. fiz uma representação no Ministério Público e outra na Policia Civil para que o processo avance. Pretendo processar o supermercado DIA e o segurança por racismo.

MP: Sabemos que constantemente várias pessoas são vítimas de racismo. E apesar dos casos estarem ganhando visibilidade, através da internet, nem todos registram B.O. Você acredita que a denúncia nas redes sociais é suficiente?

A rede social é uma ótima aliada, mas não substitui o B.O, se não registramos uma queixa formal acabamos por ser além de vítima, cumplice desse crime.

MP: Com a repercussão do caso, o perfil oficial do supermercado Dia fez um comentário no seu post se desculpando e informando que não compactuava com tais posturas. Como você percebe a mudança de comportamento das empresas por conta das redes sociais?

A empresa paga alguém para escrever um belo texto para justificar o injustificável, não fazem nada de concreto para mudar a situação. As redes sociais refletem o comportamento racista das empresas na vida real eu não percebo mudanças.

MP: Após isso você recebeu algum posicionamento sobre as averiguações e medidas tomadas?

Não mesmo

MP: Como é a sua militância no Movimento Negro? Desde quando vêm militando nessa área?

Desde criança sempre fui louca com a revista Raça Brasil e em 2010 quando eu ainda estava no terceiro período de jornalismo passei a integrar a equipe de colaboradores. Momento esse que voltei minha atenção e passei a conhecer o movimento de BH. Já em 2012 integrei a equipe do Festival de Arte Negra de Belo Horizonte aí me apaixonei e nunca mais saí.

MP: Como você avalia as conquistas do movimento negro nos últimos anos?

Sinceramente eu não sei, ultimamente digo nos últimos cinco anos não tenho visto muitas conquistas. Estou muito insatisfeita com os casos recorrentes de racismo e de pouquíssima punição.

MP: Como é ser uma jornalista e publicitária negra no Brasil?

Ser jornalista e publicitária é muito bom, o difícil é ser mulher negra em um país machista e racista. 

MP: Como você avalia as políticas públicas voltadas à promoção da igualdade e do enfrentamento ao racismo?

As políticas são boas o que falta é fazer com elas sejam compridas. Por exemplo, racismo e todos os criminosos que praticam esse crime estão impune.

MP: Qual o conselho que você deixa para as pessoas que se encontram diante da mesma situação que você passou no supermercado Dia?

Não aceite ser tratado de forma diferente em razão da sua cor da pele. A luta contra o racismo é diária e ele nos atinge nos lugares mais comuns, nas escolas, comércios, transportes e espaços públicos. Se você for vítima de constrangimento, humilhação e distinção em razão da sua cor de pele denuncie. Racismo é crime e se você deixar pra lá está sendo conivente.

Não é fácil denunciar, é um momento difícil, mas você é forte e consegue. É só discar 190 no exato momento em que sofrer o crime e solicitar uma viatura policial deixando claro para a telefonista da polícia militar que você foi vítima de racismo. Depois tente identificar pessoas que presenciaram o crime e solicite a elas nome completo, RG e telefone (você vai precisar de testemunhas). Assim que a viatura policial chegar faça o boletim de ocorrência.
 Um dia após fazer o Boletim vá até ao Ministério Público no setor de direitos humanos e faça uma representação contra o criminoso e depois faça outra representação na delegacia da polícia civil. Quando você for fazer a representação leve com você os nomes das testemunhas e o B.O., é importante levar com você um acompanhante para te dá apoio moral.

Se não queremos conviver com o racismo amanhã, temos que acabar com ele hoje!


PROJETO APOSTA NO ESPORTE COMO TRANSFORMADOR SOCIAL EM SALVADOR

Comunidade do Subúrbio Ferroviário de Salvador participa de aulas gratuitas de práticas esportivas

A prática regular de esportes além de proporcionar reconhecido bem a saúde física e mental do ser humano, é direito constitucional dos brasileiros, e importante ferramenta de combate a violência e riscos sociais. Neste sentido, reafirmando o compromisso com o bem-estar da comunidade dos bairros do Subúrbio Ferroviário de Salvador, o Movimento de Cultura Popular do Subúrbio (MCPS), há 14 anos atuando na região, lança na próxima sexta-feira (22) o projeto ELIT – Esporte, Lazer e Inclusão que Transforma. O projeto é patrocinado pela Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (SUDESB)

No lançamento, os presentes contarão com a apresentação das modalidades esportivas desenvolvidas no projeto, com posterior roda de conversa entre o diretor geral da SUDESB, Elias Dourado, representantes das Secretarias de Trabalho Emprego Renda e Esporte (SETRE), Justiça Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS) e Meio Ambiente (SEMA), além de lideranças comunitárias como a presidente do Unidos Esporte Clube, Berenice Santos, a membra do Fórum de Arte e Cultura do Subúrbio, Ana Vaneska e o Presidente da Associação Arca de Olorum, Carlos Alberto Bimbal.

O Projeto ELIT tem por objetivo democratizar o acesso ao esporte educacional de qualidade, como forma de inclusão social, ocupando o tempo ocioso de crianças, adolescentes, jovens e idosos do Subúrbio. “O ELIT oferece aulas de diversas modalidades esportivas, tem uma rica programação durante todo o ano e tem como principal objetivo a formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida dos moradores de nossa comunidade”, explica Luís Paixão, educador físico e coordenador do projeto. Além das aulas de esporte, os alunos do projeto participarão de campeonatos, aulas de cuidados com a saúde, meio ambiente, comunidade e cidadania.

Serão oferecidas aulas gratuitas de Handebol, Futebol, Voleibol, Boxe, Futsal, Basquete, Capoeira e Karatê para crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos. E aulas de Ginástica para adultos e idosos. As aulas acontecerão nas reservas do Parque São Bartolomeu, nos bairros de Plataforma, Rio Sena e Pirajá. As inscrições seguem abertas e os interessados devem comparecer aos centros de aulas nos bairros entre 9h e 17h, portando uma foto 3X4, CPF e RG do aluno(a) e do(a) responsável, em caso de menores. 


Malê Debalê realiza mais uma edição do Concurso Negra e Negro Malê.

O Bloco Afro Malê Debalê levará a Nigéria para a avenida, com o tema: REINO NEGRO DOS HAUSSAS:MALÊ DEBALÊ CANTA A NIGÉRIA, no mês de janeiro, um dos eventos que antecipam o carnaval, é o Concurso Negra e Negro Malê 2016, realizado na sede do Bloco, em Itapuã, bairro histórico de Salvador.

O Concurso, que está na sua 37ª edição, elege uma Mulher Negra e um Homem Negro, que representarão a entidade no Carnaval e nos demais eventos durante um ano, simbolizando a força e a beleza do povo negro. O Intuito do Concurso é exaltar e celebrar a negritude, e o empoderamento do povo negro.

Pra atual Rainha do Bloco, Gisele Matamba, que encerra o reinado no dia do evento, o Concurso Negra e Negro Malê acrescentou à sua vida, o poder de ser porta voz da sua comunidade negra, que rompe as barreiras do bairro de Itapuã, não a toa intitulou-se o bloco como o maior balé Afro do mundo. Para ela, o Malê de Balê abraça diversas discussões importantes para a construção de uma sociedade mais inteligente e menos alienativa, com iniciativas inteligentes através de um conceito “Odara”.

Após a etapa de pré-seleção, ocorrida no dia 13 de janeiro, 12 homens e 08 mulheres foram classificados e defenderão sua candidatura no dia 24 de janeiro.

Para a Coordenadora de Dança do Bloco, Jany Salles, a dança é a essência do Malê, ela simboliza as questões culturais, religiosas e artísticas do Bloco, ela é uma forma de afirmação da identidade negra. O balé do Malê Debalê é um espetáculo contagiante, é uma expressão da resistência do povo negro.

O evento é um espetáculo artístico que contará com a apresentação da Banda Malê, do corpo de ballet do bloco e de convidados especiais. Neste ano, será lançado o Troféu “Personalidades Malê” que tem o intuito de homenagear personalidades negras que fortalecem a imagem do povo negro em todo país. Este ano, a personalidade escolhida, será a grande atriz Neusa Borges.

Para o Coordenador Artístico e estilista do Bloco, Jean Nogueira, responsável também, pela concepção artística do evento, o concurso evolui a cada ano, tomando novas dimensões, e se tornando referência para a sociedade negra.  Ele fica muito feliz ao ouvir de uma criança, que o seu sonho é ser a rainha do Malê.  Isso reforça o compromisso do Bloco com a comunidade, e comprova a relevância do Concurso, realizado há 37 anos, tradição, que já está no calendário da negritude.

Serviço: CONCURSO NEGRA E NEGRO MALÊ
Quando: 24/01/2016 – 18h

Local: Sede do Bloco Malê Debalê, Abaete - Itapuã
INGRESSOS NO LOCAL


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Podia ser meu filho.

Quando nos deparamos com esse texto compreendemos de imediato que deveríamos publica-lo em nosso blog.

A chacina no Rio de Janeiro, a violência no Nordeste de Amaralina, bairro de Salvador, nos levam a reflexões sobre o valor que nossos corpos negros e periféricos possuem. Agora, o governo da Bahia duplicando o valor do prêmio pela "eficácia" da PM, que podemos traduzir em mais truculência e morte dos nossos.

Ele nos foi cedido pela Luara Colpa, 28 anos, advogada e militante, de Belo Horizonte - MG:

Estou a parir meu filho preto. Na maca onde a enfermeira impaciente empurra minha barriga.
Me livro da dor pensando em seu futuro:

De uniforme e banho tomado ele desce a ladeira:
- Cuidado ao atravessar a rua! (Ele olha pra trás e sorri)
- Não esquece a merendeira hein filho? - Tá mãe!!
- Esteja bem vestido (para não te confundirem ... com ladrão).
- Não erga a cabeça pro polícia.
Vou franzindo a testa e abaixo o tom de voz:
- Ande com carteira de Trabalho no bolso e apresente-a sempre que abordado.
- Se quiser ter o cabelo colorido, será confundido com bandido. Se quiser homenagear seus ancestrais e fazer dreads e penteados, será chamado de vagabundo.
- Você poderá apanhar na cara – Por que mãe? Porque sim, Não revide
- Você sofrerá revistas vexatórias todas as semanas da sua vida. Porque sim.
- Você será chamado de macaco, "esse preto", "de cor".
- Não ande em grupos pra não ser confundido com arrastão.
- Estude filho, vão falar que as cotas o salvou, que é incapaz. Não dê ouvidos à eles.
- Se você se esforçar muito no trabalho, será chamado de "moreninho até que esforçado" e mesmo que te explorem e expurguem, e que seu salário seja menor que o de todos... usarão seu exemplo, pra justificar a Meritocracia canalha que nos imputam.
- Em qualquer furto na empresa você é o suspeito, filho. Sim.
- Você será mal visto o resto da sua vida na família da sua namorada branca. Porque sim também..

Sua mãe vai sofrer violência obstetrícia no hospital. Porque é preta. Você vai nascer na contramão da vida. Porque alguma igreja um dia disse que não tinhamos alma.
Que nossa cultura era inferior, e mediram nossos dentes e nossas canelas. E nos deram um terço pra tentarmos nos redimir de termos nascido nessa cor.

Quando acharam oportuno, vestiram nossos turbantes e se apropriaram da nossa capoeira. Quando não nos queriam mais, nos forjaram "livres" na Lei do sexagenário. E então fomos expulsos da escravidão para a escravidão real.

Aqui estamos. Somos a história dos centros urbanos, filho. Fomos expulsos do modelo de cidade e do convívio entre pessoas. Nunca fomos pessoas.
Da periferia pra periferia seguimos, expurgados.

Não nos perguntaram onde construímos nossa vida, nossa raiz. Somos sem estória.. A cada despejo fomos para a região metropolitana que nos colocavam. Em cada plano de habitação que meia dúzia de engomados brancos escreveram, fomos encaixotados nos predinhos de 40m². Bem longe. Longe dos olhos dos gringos.

Taparam nossas casas com tapumes pra Copa do Mundo. Botaram camburão na nossa quebrada, pra nos lembrar que desde "o fim" da escravidão, não sabem o que fazer pra tampar nossa existência.

Vão te dizer que mesmo em Estado de Sítio, você tem direito à ir e vir no seu país (que seus ascendentes construíram lajota por lajota.. paralelepípedo por paralelepípedo).

Mas você será executado à luz do dia filho. Na porta de casa. E eu vou lavar seu sangue.

Você será metralhado com 50 tiros. Você e seus amigos pretos. Porque sim. Porque fazem parte da parcela da população que tem que ter regras pra estar vivo. Que é achincalhado desde o nascimento.

Nos exterminarão todos os dias, todos os dias "um crime isolado".
E jogarão a culpa no policial noiado, no indivíduo sob pressão, na legítima defesa. A sociedade não reconhecerá que são todos cúmplices da sua morte.

Eles estão certos, agem em "legítima defesa". Te avisei pra não sair sem a carteira de trabalho filho. Aliás, nem deu tempo de mostrar né? Te avisei pra não encarar o polícia.... Também não precisou. É, não deu tempo.
Vamos entrar pra estatística filho.

Eles só tem a televisão. Só tem a visão longinqua e deturpada do que somos. Eles desligarão a TV quando incomodar. Eles não sabem de mim, nem de você.

Só mais uma mulher sozinha parindo sob violência.
Só mais um preto metralhado. O Deus branco que nos perdoe, somos sem alma.

#Podiasermeufilho

Luara Colpa.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

​Tudo que Aprendemos Juntos" chega aos cinemas de todo o Brasil e o diretor Sérgio Machado contou para o Mídia Periférica tudo sobre o processo de criação

Fotografia: Correio da Bahia
"Não tenho a ilusão de que esse filme – ou qualquer outro – mude a cabeça das pessoas ou a realidade de um país, mas torço para que ele possa estimular o debate sobre o papel das artes na formação dos jovens."


Nesta quinta-feira (3) a exibição do filme "Tudo que Aprendemos Juntos", dirigido pelo baiano Sérgio Machado, chega aos cinemas de todo o país. Aqui em Salvador ficará em cartaz nas salas do  Shopping da Bahia; Glauber Rocha; Cinépolis Salvador Bela Vista e  Cinemark Salvador. 
O filme marcou em outubro a abertura do XI Panorama Internacional Coisa de Cinema, no Espaço Itaú Glauber Rocha, com a presença do diretor, Lázaro Ramos não pode comparecer - o ator interpreta o músico Laerte, que após frustrações em sua carreira como violinista passa a se dedicar ao ensino de música para jovens da periferia de São Paulo. Estivemos presentes na exibição para conferir e nos encantamos com o enredo que envolve histórias de superação por meio da música, frente aos problemas sociais vivenciados diariamente nas periferias - representatividade. Cultura e arte como elementos que contribuem para a transformação da realidade de jovens da periferia. Realidade que acompanhamos de perto e que também buscamos contribuir com a mudança por meio da comunicação comunitária e de ações socioculturais. No mesmo circuito, outra produção do cineasta também foi exibida, o documentário "Aqui deste lugar", ainda sem previsão de estreia comercial na Bahia, que mostra a ascensão de três famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família. 

Sérgio Machado, 47, diretor e roteirista, é baiano formado em Jornalismo e começou a carreira no cinema com a direção de dois documentários em vídeo: “Bagunçaço” e “Três Canções Indianas”, realizados durante uma viagem de intercâmbio à Índia. Nos seus 22 anos de carreira no cinema. Dentre as suas direções se destacam: Quincas Berro d’água (2010); Cidade Baixa (2005);  Onde a Terra Acaba (2002). Além de trabalhos com Walter Salles,“Central do Brasil” (1998).
 
O Mídia Periférica teve a oportunidade de entrevistar o Sérgio Machado, ele nos contou mais sobre ambas produções, os processos de criação e os projetos para 2016, inclusive aqui na Bahia. A seguir a entrevista. Deixamos aqui também a indicação para que todos assistam "Tudo que Aprendemos juntos". Não percam! 


MP - Os discursos estéticos dos seus dois últimos longas partem de críticas sociais, qual a sua posição diante da necessidade de haver crítica forte e consistente nas produções cinematográficas? 
Sérgio Machado - Acho importante que os cineastas (e artistas de um modo geral) se posicionem e defendam suas ideias. Acho que a gente tem a obrigação de ter uma visão crítica do país. As vezes tenho a impressão de que as pessoas criticam o Brasil como se fossem marcianos e não tivessem nenhuma responsabilidade pelos nossos problemas. 
Eu não me eximi de expor meu ponto de vista, mas tentei ao máximo fugir de qualquer postura doutrinadora. Tentei ser tão neutro quanto possível e deixar que o espectador chegue as suas próprias conclusões. 
O objetivo do documentário era levar o espectador para dentro das casas, transforma-lo num cúmplice, para que ele partilhasse dos dilemas de cada família. Queríamos entender como as diferentes gerações assimilaram essa transformação. 
Escolhemos a técnica do cinema direto justamente para minimizar nossa interferência. Não fizemos nem perguntas, acompanhamos silenciosamente o que aconteceu com as famílias durante o período de filmagem. As histórias narradas em Aqui Deste Lugar são simples e partem do cotidiano: No Ceará uma menina, ajudada por sua mãe, sonha em cantar numa banda de Forro; No Rio Grande do Sul, uma adolescente enfrenta a oposição do pai para namorar; Na periferia de São Paulo uma doméstica batalha diariamente para manter a família. Não são histórias excepcionais, são relatos singelos, mas que representam de alguma forma os avanços e as dificuldades das camadas mais pobres da população brasileira. 


MP - "Tudo que aprendemos juntos” conta uma história da juventude da periferia e é feito por ela. Além da música como um caminho para o enfrentamento dos problemas sociais, pode perceber essa representatividade associada à autoestima desses jovens? 
Sérgio Machado - Durante as filmagens o que mais me marcou foi o convívio com os meninos. É impressionante o que aconteceu com eles, o quanto eles cresceram e mudaram a partir do filme. Para mim ficou claro que eles não são o problema do país e sim a solução. 
A prática musical dá segurança e aumenta auto estima dos jovens. Tenho convicção de que o país mudaria se a cultura fosse, de algum modo, massificada. Ao aprender a cantar, dançar, tocar um instrumento, ou fazer um esporte o jovem ganha prestigio. Hoje em muitas comunidades carentes do Brasil a referência principal de poder é o traficante de drogas. O país não vai mudar enquanto o prestígio estiver associado à violência (em relação aos homens) e a sexualidade (em relação às mulheres). 

MP - Até que ponto essa produção cinematográfica tem a ver com a sua história de vida? Você é filho de músicos e afirma ter passado parte da infância em uma orquestra. 
Sérgio Machado - Sou filho de músicos, meu pai tocava trompa e era pianista, e minha mãe era fagotista na Sinfônica da Universidade da Bahia. Eles eram estudantes, não tinham como pagar uma babá, por isso cresci brincando entre instrumentos e ouvindo música clássica. Cheguei a estudar piano e violino, mas não levei adiante graças a minha falta de talento musical. 
O filme é, sem dúvida, uma homenagem aos meus pais e trouxe de volta importantes lembranças que estavam perdidas. É também um projeto pessoal porque me sinto próximo do dilema do protagonista – um violinista que tem uma crise nervosa numa audição e se defronta com a possibilidade de não fazer mais aquilo para qual se preparou durante a vida inteira. Consegui avançar no roteiro no instante em que me dei conta do quanto de Laerte havia em mim. Decidi ser diretor de cinema na infância e nunca cogitei fazer nada diferente. O medo do protagonista é também meu medo de um dia, por algum motivo, não conseguir mais filmar.

MP - "Tudo que aprendemos juntos” ganhou em agosto grande repercussão a nível internacional, como foi essa trajetória? 
Sérgio Machado - Lançamos o filme na Suíça no principal sessão do Festival de Locarno na Piazza Grande para 8.000 pessoas. Depois disso, graças às boas críticas, o filme já foi vendido para mais de 20 países. Em seguida fomos para o Festival do Rio, Panorama da Bahia e Mostra de São Paulo. Em todas as sessões a resposta do público foi impressionante. O filme tem uma inegável capacidade de se comunicar com diferentes públicos e pelo que temos visto toca bem fundo em algumas pessoas e muitos se conectam com a mensagem do filme.  A sessão na Sala São Paulo, com a orquestra de Heliópolis foi a mais impressionante que já vi na vida. 

MP - O cinema brasileiro ainda se mantém distante da população, essa distância se torna maior quando incluímos dificuldade de acesso e mobilidade, já que os espaços culturais estão concentrados nos centros das cidades. Qual a sua percepção quanto ao ensino de música nas escolas e como observa a necessidade de iniciativas de produção/distribuição de cinema comunitário que partem das periferias? 
Sérgio Machado -  Acho que a cultura em geral está longe da grande maioria dos brasileiros. Uma enorme parcela da população não frequenta teatros, não lê, não vê filmes, não vai a concertos nem shows. Acho que o país só muda quando a cultura for massificada. O projeto venezuelano, que ensina música a milhões de crianças e jovens deveria servir de exemplo, mas infelizmente iniciativas como o Baccarelli e a Neojibáalcançam apenas uma pequena parcela da população. 
O cinema - que é a mais popular das artes e a de maior alcance - deveria ter muito mais penetração. Devia estar nas escolas, nas comunidades. O Brasil tem muito poucas salas de projeção, a maioria delas em shopping centers e com preços proibitivos para as pessoas que vivem em bairros da periferia. Além disso, obviamente, há a concorrência com os grandes filmes americanos.

MP - O que permeia ambas produções é o diálogo social, a temática que envolve as periferias e o caminho de esperança para mudanças. Uma ponta para o que falta mudar, como você afirma. Poderia comentar sobre a ligação? 
Sérgio Machado - Não tenho a ilusão de que esse filme – ou qualquer outro – mude a cabeça das pessoas ou a realidade de um país, mas torço para que ele possa estimular o debate sobre o papel das artes na formação dos jovens. 
Alguns dos melhores filmes brasileiros nas últimas décadas tem exposto de maneira contundente os nossos problemas. São obras importantes que expõe a nossa ferida como Carandiru, Cidade de Deus, Notícias de Uma Guerra Particular e Tropa de Elite. 
Quando fui convidado para dirigir esse filme tive a sensação de que era importante falar também das pessoas que estão buscando caminhos para resolver nossos problemas. Nos últimos anos têm surgido iniciativas que indicam que a melhor forma de lidar com a violência e a desigualdade é educando e facilitando o acesso à cultura. 
O cinema não tem força para mudar a realidade, mas alguns filmes importantes foram feitos a partir desse desejo. 

MP - Sobre “Aqui Deste Lugar”: foram dois anos de viagens pelo Brasil, quase mil entrevistados, todos beneficiários do Programa Bolsa Família. O que foi mais marcante nessa experiência?
Sérgio Machado -  O principal objetivo do Aqui Deste Lugar era mostrar que o combate à miséria e à fome transcende as questões ideológicas e partidárias. Gostaria que o filme defendesse a ideia de que a desigualdade no Brasil (e no mundo) é aviltante e que qualquer pessoa honesta deveria apoiar iniciativas que a combatam. 
Cada família me comoveu de um modo particular. Fiquei impressionado com a trajetória de Ângela, em São Paulo, a batalha dela ilustra algo que percebemos em diversas regiões do Brasil, que a mulher é quem movimenta esse país. Acho bonita a união dos gaúchos, é uma família estruturada que em breve deve sair do programa. 
Pessoalmente acabei me tornando próximo da família do Ceará e mesmo depois das filmagens tenho acompanhado a luta de Natália e de Helena para manter a família de pé apesar de todas as dificuldades. Fico comovido com a capacidade que elas tem de sonhar e projetar um futuro melhor. 
Fiquei muito comovido quando Jonas, o irmão da Natália, me perguntou se eu gostava do meu filho. Eu achei estranha a pergunta e respondi que meu filho, que era da idade dele, era a pessoa que mais amava no mundo. 
Ele fez um longo silêncio e me contou que o pai dele não se importava e mal o conhecia. Aquilo me deixou abalado, fiquei pensando o quanto eram diferentes as oportunidade de Jonas e de Jorge, o meu filho, que nasceu cercado de confortos e foi amado desde o primeiro dia. Desde então passei a me incomodar mais com os excessos, com o desperdício e a ganância.

MP - Quais foram os critérios para a seleção das famílias? Por que essas três - Ceará, Rio Grande do Sul e São Paulo - e por que as outras duas foram cortadas? 
Sérgio Machado - Viajamos por todo país para conhecer a realidade de cada região e de posse desses dados nos encontramos com especialistas técnicos para que nossa escolha fosse o mais representativa possível. Queríamos que as famílias representassem a média de cada região. Escolhemos famílias compostas por indivíduos de diferentes idades. Acreditávamos choque entre gerações poderia render situações reveladoras. 
Chegamos finalmente a cinco famílias: no Amazonas, no Piauí, no Ceará, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. A ideia é que a escolha obedecesse a dados estatísticos objetivos. Quando fomos para a ilha de edição e chegamos a um primeiro corte percebemos que era impossível nos aprofundarmos nas cinco famílias e cortamos as famílias do Amazonas e Piauí. 

MP - Você teve a oportunidade de presenciar a reação dessas famílias ao se depararem com o registro de suas histórias nas telas do cinema? Qual a sensação pra você? 
Sérgio Machado - Quem vem nos acompanhando durante os lançamentos é Natalia - a jovem cantora da família cearense. Viajamos juntos por todo Brasil. Ela gostou de se ver na tela e virou uma espécie de embaixatriz do filme. Foi bacana conviver vários dias com ela, fiquei impressionado com a sede que ela tem de aprender e a abertura para as novidades. 

MP - Como você se coloca diante os discursos de ódio, sobretudo na internet, quando o assunto é o Bolsa Família? 
Sérgio Machado - Na verdade o discurso do ódio vai além do bolsa família. Tenho assistido com preocupação e tristeza a propagação do discurso racista, homofóbico, o crescimento da intolerância religiosa. Numa sessão do documentário que tivemos em Recife um jornalista chegou ao cúmulo de agredir com palavras pesadas a Natalia, disse que ela não tinha futuro e que não ia para lugar nenhum. Eu fiquei perplexo, parece que algumas pessoas perderam a vergonha da própria mesquinharia. Ninguém tem o direito de falar uma coisas dessas para um jovem (ou para qualquer pessoa). Mas (felizmente) a maioria das pessoas tem entendido o recado do filme. 
Meu sonho é que as pessoas que assistissem ao filme tivessem a sensação de que o dinheiro gasto para combater a fome e diminuir o abismo social no país é o melhor investimento que se pode fazer. Acredito que é e intolerável  que alguém passe fome num país rico em recursos e que não está envolvido em uma guerra ou no meio de uma catástrofe natural. 

MP - Quais os projetos em vista, sobretudo os cinematográficos? Tem coisa boa prevista aqui na Bahia, em 2016, juntamente com Lázaro Ramos e Wagner Moura? 
Sérgio Machado - Estou trabalhando em diferentes projetos. Um deles, A Luta do Século – sobre a rivalidade de Reginaldo Holyfield e Luciano Todo Duro - está quase pronto e será lançado no inicio do ano que vem. Estou montando um núcleo de desenvolvimento de projetos em Salvador com as Produtoras  Ondina Filmes e Janela do Mundo - do qual participam Lázaro Ramos e Wagner Moura, Bernard Attal, Gabriela Almeida e Ricardo Calil. 
Ano que vem vou filmar o longa metragem O Adeus do Comandante – inspirado na obra de Milton Hatoum. Lázaro e Wagner devem fazer o filme comigo: as filmagens ocorrerão na Amazônia. Estamos só afinando o roteiro para começar a produção. 
Estou também fazendo - em parceria com Walter Salles e a Gullane Filmes - o desenho animado A Arca de Noé inspirado nas poesias de Vinicius de Moraes. Pretendo também fazer um documentário sobre o fotógrafo Pierre Verger no ano que vem. 
Além desses projetos - que já estão em andamento - estou desenvolvendo alguns roteiros em parceria com amigos. 

Sinopse de "Tudo que Aprendemos Juntos

Laerte é um músico promissor que sofre uma crise em plena audição para uma vaga na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Ele perde a chance de trabalhar na maior orquestra sinfônica da América Latina e, frustrado e com problemas financeiros, vai dar aulas na favela de Heliópolis. 
Na escola, cercado por pobreza e violência, redescobre a música de forma tão apaixonada que acaba por contagiar os jovens estudantes. “Tudo que Aprendemos Juntos” é inspirado na história real da formação da Orquestra Sinfônica de Heliópolis e conta a emocionante saga de um músico e seus alunos, que tiveram suas vidas transformadas pela arte.