terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Mídia Periférica na Argentina: atravessando fronteiras


A passagem do Mídia Periférica pela Argentina refletiu em experiências ricas, possibilitadas através da aproximação com ações e atores sociais que compactuam com o nosso sentimento de luta, resistência e busca por transformações sociais.
Conhecer Buenos Aires foi lindo, mas eu precisava sair daquela rota turística e conhecer a realidade sem maquiagem, o outro lado, a periferia e os trabalhos de comunicação/cultura que têm sido realizados com jovens que estão à margem.
Estabelecemos contato com o Santiago Barassi,  pertence à Juventude Peronista da Província de Buenos Aires/ La Cámpora), que me recepcionou em Buenos Aires de forma muito acolhedora, se dispondo a contar um pouco sobre a sua militância e a cena política do país, que vem trazendo grandes desafios e uma onda de mobilizações, além de viabilizar articulações na periferia. A convite dele fui compartilhar as experiências do Mídia Periférica na "Taller de Comunicación Popular Latinoamericana", organizada pelo Coletivo Cultural Cruz Del Sur, a cargo do companheiro Damiàn Capola, e Juan Carlos Romero criador da Facepopular. O encontro aconteceu em 19 de janeiro, em La Matanza, município de Buenos Aires marcado pelo peronismo(movimento populista).
O que encontrei foi um bairro com diferenças gritantes da capital Buenos Aires; uma periferia marcada por muita vulnerabilidade social, carências, luta e resistência, assim como as nossas, e pessoas dispostas a contribuírem com mudanças sociais. Me senti em casa!
Fui parar num espaço cheio de potencial para a comunicação, cultura e mobilização: Espaço Cultural El Arroyo, no bairro González Catan, que segundo Flavia Barreiro, professora de História e integrante da Cruz del Sur, realiza um trabalho sociocultural com foco na prevenção primária e de problemáticas (como violência e questões de gênero) que envolvem crianças e adolescentes da região.
Arte e cultura são utilizadas como ferramentas de transformação social, elevação da autoestima e estímulo para uma vida melhor. Música, pintura, folclore, horta comunitária, apoio escolar, oficinas e Cine Itinerante são as principais ações desenvolvidas.
A proposta do evento foi dar visibilidade às experiências do campo popular - comunicação, cultura, arte, mobilização e ativismo social - que refletem em mudanças positivas para as periferias latinoamericanas. Estiveram reunidos comunicadores populares, ativistas, militantes e moradores da região.
Além da representação do Mídia Periférica, o ativista colombiano Edison Burbano também foi convidado para esse diálogo ao lado de comunicadores populares locais a exemplo de: Juan Carlos Romero (fundador e administrador da rede social da Pátria Grande: Facepopular; diretor editorial da Página Popular e Argentina Latinoamericana Mensageira de Direitos Humanos e Sociais); Pablo Sercovich (portavoz do "Círculo Plaza de Mayo" e coordenador do Congresso Internacional para a Democracia Digital); Rocio Olguin (referência política da juventide do partido MILES - ARGENTINA) e Silvio Miño (comunicador e experiente na área de meios de base territorial e comunicação alternativa). 
Foto: Santiago Barassi
Na oportunidade, Juan Carlos nos apresentou a Facepopular, uma rede social alternativa que carrega um conceito de ativismo, militância social e politica, não-comercial. O objetivo é favorecer que os latinoamericanos tenham um lugar próprio, com menos diferenças, preconceitos, filtros, fronteiras; e com mais pluralismo.
São mais de 500 meios formando uma grande unidade."Foi um prazer compartilhar as experiências em um âmbito horizontal onde cada um, desde o jornalismo, a arte e tecnologia, pode dar sua contribuição para a construção de uma nova comunicação dos povos" - afirmou o criador da Facepopular em seu perfil. 
As atividades foram finalizadas com apresentações culturais (música e folclore) e com o famoso Choripan (comida típica), num clima acolhedor entre os hermanos.
Foto: Reprodução do Facebook

A Argentina com Macri

Paralelo ao contato com a periferia, a experiência de menos de uma semana na capital argentina foi o suficiente para sentir e acompanhar um pouco do clima de tensão que paira nas ruas com o mandato de Mauricio Macri, após 12 anos de Kirchnerismo. Em menos de dois meses de presidência, Macri cortou subsídios da era Kirchner, os argentinos sofrem com o aumento de 300% nas contas de luz (a partir da próxima semana), 22% no preço da carne, menor poder aquisitivo,  censura e desemprego.
As manifestações são constantes e por toda a cidade, com maior concentração na Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada, e por todos os lugares com possibilidade de manifestações é possível encontrar forte presença da polícia.
"O momento político no meu ponto de vista é ruim. Muita censura por parte do governo de Macri,, desemprego de todos os lados, retrocessos... Presidente que parece ignorante, não sabe conversar. Muito diferente do Kirchnerismo, pensava nas classes baixas e médias" (Pedro Sandoval, militante e morador de La Matanza).
Enquanto no Brasil presenciamos uma discussão que envolve retrocessos, como o pedido de impeachment, lá os argentinos estão mobilizados discutindo a garantia de uma política social e democrática, além da preservação dos direitos conquistados nos últimos anos. A figura da ex-presidente Cristina Kirchner tem muita representatividade, é visível em diversas partes de Buenos Aires frases, em muros e pontos de ônibus, de reconhecimento à evolução política, participação juvenil e luta pelos direitos humanos no período em que ela esteve na presidência. Mas, em uma das conversas entre uma estação e outra de metrô, também pude ouvir opinião favorável a Macri, na justificativa de que o governo anterior se utilizava da pauta sobre pobreza para 'roubar', acrescentando que não haviam oportunidades para os argentinos e que 'esmolas' eram usadas como 'cala-boca'. Esse discurso me fez lembrar claramente daqueles reproduzidos contra o Bolsa Família. Entretanto, observar ambas posições foi fundamental para a reflexão  e compreensão do panorama político atual da Argentina.
Os movimentos sociais e as redes de comunicação alternativa demonstram muita força nesse contexto de luta pelo fortalecimento democrático. La Cámpora é um deles, apresentando uma ideologia que preza pelos direitos humanos, a participação/ protagonismo juvenil e a política como uma ferramenta de transformação social.
Um dos maiores movimentos sociais e com maior capacidade de mobilização da Argentina é liderado por Máximo Kirchner, filho de Néstor e Cristina. Formada por jovens, a organização  tem como principal objetivo a defesa do chamado kirchnerismo. 
O companheiro da JP BA - La Campora, Santiago, expressou o quanto o momento é difícil e que estão organizados na luta por transformações sociais, fortalecimento dos direitos humanos, horizontalização da comunicação e por uma politica democrática. Mencionou também o poder das redes sociais como forte aliada na convocação das manifestações, que inclusive têm também como  pauta o apoio à lei contra monopólio dos meios de comunicação na Argentina, que o governo pretende modificar por decreto. O monopólio Clarín ("Globo argentina") é o principal combatido. 
Esse momento requer reflexão sobre alternativas de comunicação e participação cidadã colocando a democracia como elemento central. Um grande desafio da comunicação. E infelizmente há o medo de um retrocesso político acompanhado de mudanças expressivas, que já são visíveis.
Nessa reviravolta, contrapondo aos anos de predomínio peronista, teme-se a retomada conservadorista, a perda da memória e continuidade dos avanços essenciais para o desenvolvimento do país. Apesar do momento delicado, uma rede de ativistas, militantes e comunicadores vêm se organizando e utilizando a comunicação como uma arma de luta e empoderamento.
Agradeço em nome do Mídia Periférica aos nossos hermanos por esse intercâmbio, pela acolhida cheia de alegria e aconchego, com direito a Zamba (dança), Folclore e Choripan. Mostraram que para além das diferenças no futebol temos muito em comum, a começar pelos processos de comunicação comunitária e popular.
Lutas compartilhadas, relações fortalecidas! 

La Matanza 
Espaço Cultural El Arroyo 
Espaço Cultural El Arroyo
Santiago Barassi (JP BA - La Cámpora); Bruna Calazans (Mídia Periférica) e Damian Capola (Diretor do Espaço Cultural)
González Catan - La Matanza
Bairro de Palermo - Buenos Aires
Plaza de Mayo
Casa Rosada
Bairro de Palermo - Buenos Aires
Manifestações pelas ruas de Buenos Aires
Centro Cultural El AArroyo
Eva Perón - Evita


Texto e fotos: Bruna Calazans

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