Após
dias de silêncio, retorno o meu ofício: comunicar. Foram dias em
busca de proteção e também para as atenções permanecerem
voltadas às famílias mais atingidas por uma onda de violência
policial em Salvador, legitimada pelo governador do estado, Rui
Costa, e diversos segmentos da imprensa tradicional.
Quem
acompanhou nas ruas, becos e vielas da cidade sabe o nível de tensão
e perigo que muitos enfrentaram. Não é algo para ser relativizado.
Até moradores de comunidades passaram a incorporar o bordão que
legitima o assassinato dos seus filhos: “quem defende bandido é
bandido também”.
Diversos
movimentos sociais e ativistas da cidade se mobilizaram para
denunciar a atuação policial. Sem dúvidas, à dianteira está a
Campanha Reaja!. O meu papel foi exercer o ofício de comunicar. Mas
quando não podemos falar sequer, significa que o genocídio à
população negra assume com êxito seu lado simbólico.
Muitos
amigos e organizações entenderam a gravidade quando, no caminho de
casa para o ponto de ônibus, um Policial Militar fardado me parou e
proferiu as palavras “É melhor você segurar seus dedos e parar de
criticar quem realmente faz a segurança na comunidade, pois pode
acabar ficando sem eles”. Não era uma questão pessoal, e sim
coletiva em jogo.. O cerceamento à liberdade de expressão não é
algo para darmos um passo atrás.
Depois de
13 assassinatos no Cabula, no dia 06 de fevereiro, os dias seguintes
foram marcados por mais duas mortes em Cosme de Faris, e uma mega
operação na comunidade de Sussuarana resultou no assassinato do
jovem Bruno Ramos, cuja família é toda conhecida por mim. A versão
apresentada pela PM, nos dois primeiros casos, é a de que houve
troca de tiros. Os policiais se utilizaram do AUTO DE RESISTENCIA
para legitimar e justificar o bárbaro cenário ocorrido na
comunidade. No terceiro caso, o do Bruno Ramos, a operação não foi
divulgada, somente no dia seguinte um veículo de mídia deu o título
de EX-PRESIDIÁRIO para o Bruno, na tentativa de justificar a sua
morte. (http://migre.me/p35oo).
Amigos
foram mandando notícias sobre o que estava acontecendo na minha
comunidade, Sussuarana, bem como no entorno, e assim consegui fazer
uma cobertura parcial. No outro dia nenhum outro veículo de mídia
local deu qualquer nota sobre a operação em Sussuarana. Diante
disso, resolvi escrever um texto para o site Ponte Jornalismo
(http://migre.me/p35GK)
retratando a minha realidade, vulnerável às mortes que estavam
acontecendo, muitas delas silenciadas, a exemplo da de Bruno Ramos.
Acompanhar
e denunciar a violência não são uma novidade na minha trajetória.
O primeiro texto que escrevi, quatro anos atrás
(http://migre.me/p34BI),
relata e denuncia a execução de um jovem amigo. Um dos vários que
perdi durante estes anos.
O Mídia
Periférica é uma ferramenta criada para contrapor o que a mídia
tradicional teimava em expor como perfil único das periferias. Em
quatro anos e meio de atuação, conseguimos ir para além dos muros
da comunidade, trouxemos novos olhares para as coisas bacanas
existentes no nosso dia a dia, mas nunca esquecendo nosso primeiro
slogan “Dar Voz a Periferia”. Nas atividades que realizamos não
menosprezamos o trabalho de nenhum outro coletivo que atua nas mesmas
frentes. A nossa meta é contrapor a mídia sensacionalista e criar
estratégias para o enfrentamento à violência que nos atinge, em
sua maioria, pelos braços armados do Estado. Sabemos exatamente onde
está o inimigo.
Nestes
que fiquei em silêncio pude pensar e articular uma maneira de voltar
seguro para minha residência ao lado da minha família.. Neste
período tive a ajuda de diversos amigos. Não tive nenhuma ajuda de
órgão governamental nesse sentido.
A
organização de Direitos Humanos – Projeto Legal, me deu total
suporte jurídico. Esse respaldo ocorreu em razão de minha
participação no Projeto “Jovens e Adolescentes em Ação” como
articulador. Quando tomaram ciência da situação em que me
encontrava, deram os encaminhamentos jurídicos e administrativos
necessários.
Também
agradeço a compreensão dos profissionais de imprensa e organizações
que respeitaram meu silêncio nesse período. Foram diversos pedidos
negados.
As redes
de defesa são importantes e acredito que as comunidades devem se
empoderar das ferramentas que já utilizam no dia a dia para a auto
defesa de todos. Por isso, deixo aqui como proposta: desenvolver mais
a utilização das ferramentas tecnológicas por meio de redes
sociais para que as pessoas possam denunciar, registrar e inibir
ainda mais a violência que é praticada contra a juventude negra nas
periferias.
Temos que
construir nossas práticas, e reivindicar o fortalecimento do Plano
Juventude Viva de Enfrentamento da Violência Contra a Juventude
Negra, como forma de impulsionar o reconhecimento por parte do Estado
em assumir que de fato existe um genocídio em curso. Não é preciso
ir muito longe para constatar essa realidade. A votação da PEC
171/1993, que altera a redação do artigo 228 da Constituição
Federal, reduzindo de 18 para 16 a maioridade penal, é o retrato
mais fiel do retrocesso que estamos vivendo na conjuntura atual;
quando não somos mortos, somo encarcerados e excluídos da
sociedade.
Os que
convivem nas ruas, becos e vielas de Salvador sabem que mais
assassinatos e operações abusivas da polícia continuam a ocorrer,
e podem estar até se aperfeiçoando para não deixar os mesmos
rastros já denunciados. As formas de nos silenciar por meio do
aparato estatal e suas políticas também continuam presentes.
Sigamos em frente, juntos, pois é essa a melhor forma de
sobrevivermos.
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